Tardígrados caíram na Lua com colisão de nave israelense. Devemos nos preocupar?

Sem querer, talvez tenhamos espalhado tardígrados pela superfície lunar. “Sem querer”, pois os ursos d’água, como também são conhecidos, foram enviados à Lua como parte de um projeto ambicioso da SpaceIL e sua nave Beresheet, que acabou sendo destruída após colidir com a superfície na tentativa de pouso, por conta de uma falha em seu motor. E “talvez” porque não se sabe se os milhares de bichinhos milimétricos foram libertados com o acidente ou se permanecem em um ambiente controlado.

Mas e aí, o que isso significa? Por que a empresa israelense enviou tardígrados para a Lua? O que são tardígrados, em primeiro lugar? Será que eles sobreviveram, ou são capazes de sobreviver na Lua? E o que pode acontecer com eles (e com o ambiente lunar) por conta disso? É isso que abordaremos nas próximas linhas.

O que são tardígrados e por que eles são especiais?

Tardígrados têm entre 0,3 e 0,5 mm de comprimento, apenas

Tardígrados são animais microscópicos (entre 0,3 e 0,5 milímetros de comprimento) relacionados aos artrópodes, que são animais invertebrados com um exoesqueleto rígido e vários pares de apêndices articulados. Extremamente resistentes, eles são capazes de sobreviver a temperaturas que variam do zero absoluto (-272 ºC) até cerca de 150 ºC, e inclusive em pressões atmosféricas extremamente intensas, além de segurar a onda em ambientes com alta radiação (cerca de 100 vezes mais do que um ser humano pode suportar).

E a resiliência dos tardígrados já chegou a ser colocada à prova no ambiente espacial: em 2007, cientistas enviaram os bichinhos ao espaço, onde ficaram expostos não apenas ao vácuo, como também a altos níveis de radiação. O resultado? Quando a carga voltou à Terra, um terço deles permanecia vivo. Sendo assim, até então os tardígrados são os únicos animais nativos do nosso planeta que são capazes de sobreviver no espaço sem o auxílio de equipamentos de suporte à vida. E mais: 10% dos tardígrados sobreviventes do experimento de 2007 ainda foram capazes de se reproduzir com sucesso após o retorno.

Os tardígrados também são famosos por sua habilidade de entrar num modo natural de desidratação, desligando todos seus sistemas e processos biológicos durante longos períodos de tempo, e literalmente voltando à vida quando se encontram novamente em condições ambientais favoráveis. Este estado é chamado de criptobiótico, por sinal, necessário para que os bichinhos consigam sobreviver a condições ambientais extremas e voltando apenas após uma reidratação.

Esses animais, aqui na Terra, são mais comuns em ambientes úmidos, e podem permanecer ativos em praticamente qualquer lugar de onde consigam obter alguma umidade. Eles são uma das poucas espécies conhecidas capazes de suspender seu metabolismo de maneira reversível e entrar no estado de criptobiose, e podem sobreviver por quase uma década assim.

E agora, eles estão na Lua.

Por que enviaram tardígrados à Lua?

A SpaceIL é uma startup israelense que sonhava em se tornar a primeira empresa privada a pousar uma nave na Lua. De fato, ela se tornou a primeira do tipo a enviar uma nave à órbita lunar, só não conseguiu o feito do pouso, pois a Beresheet apresentou um defeito técnico nos instantes finais da descida, chocando-se contra o solo.

A nave levava consigo várias cargas que entrariam para a história, incluindo uma biblioteca digital gravada a laser em placas de níquel microscópicas, com a intenção de criar um registro da humanidade na Lua, como parte do projeto da Arch Mission Foundation , co-fundada por Nova Spivack (que trabalhou no desenvolvimento da Siri antes de a tecnologia ter sido vendida à Apple).

Só que, nos registros oficiais da biblioteca lunar, nada havia sido mencionado sobre a carga de tardígrados. Esse segredo foi mantido por Spivack por todo esse tempo, só agora vindo à tona após a colisão da nave e com a pergunta que não quer calar: e agora, o que acontece com os bichinhos por lá, e o que acontece com a própria Lua por causa disso?

Spivack explica que colocou as criaturas em um estado de animação suspensa em epóxi, juntamente com outra carga contendo amostras de DNA humano, tudo para que a biblioteca lunar que registra a humanidade pudesse, em teoria, ser usada no futuro para reiniciar a raça humana. Tudo foi grudado em uma resina que selou o recipiente da biblioteca — e o segredo foi mantido por Spivack tão a sete chaves, que nem mesmo a SpaceIL sabia que estava levando tardígrados à Lua. Contudo, ele faz questão de dizer que “fizemos isso de uma maneira que não haveria absolutamente nenhum risco de qualquer contaminação fora de nossa carga útil, que foi selada e vácuo”.

Spivack planejava anunciar que tardígrados estavam na Lua somente após o pouso da Beresheet, mas tudo deu errado, e a nave foi destruída. Logo após o choque ao receber a notícia, ele se reuniu com especialistas para chegar à conclusão de que a biblioteca lunar provavelmente sobreviveu intacta à colisão. Então, toda a carga pode estar sã e salva, incluindo os tardígrados, que ainda devem estar vivos e em estado de hibernação.

A biblioteca lunar foi projetada para durar milhões de anos, e justamente as camadas de resina onde os tardígrados foram grudados adicionam uma quantidade significativa de força ao artefato selado, o que tornou menos provável sua quebra após o impacto. Ainda, Spivack garante que o calor gerado pela colisão não foi forte o suficiente para derreter as camadas de níquel, que foram encapsuladas em várias camadas protetoras para bloquear a radiação. “Ironicamente, nossa carga útil pode ser a única coisa sobrevivente dessa missão”, diz Spivack.

Então, na melhor das hipóteses, a Beresheet ejetou a biblioteca lunar da Arch Mission Foundation com o impacto, e a carga pode estar posicionada na superfície ali perto do local do acidente. Spivack agora espera que uma futura missão lunar que eventualmente pouse na mesma região capture a carga de tardígrados, trazendo-os de volta à Terra, onde serão reidratados e sua resiliência será colocada à prova mais uma vez.

Seria possível uma contaminação? A Lua estaria em risco?

Tardígrado visto por um microscópio (Foto: Hecker / SauerPicture Alliance)

Bom, antes de qualquer coisa, vale dizer que a ação de Spivack, apesar de controversa, não chegou a ser exatamente ilegal. O Escritório de Proteção Planetária da NASA, por exemplo, é quem define o nível de perigo de contaminação de suas missões, a depender do alvo. Exemplo: missões destinadas a Marte estão sujeitas a processos de esterilização mais rigorosos do que missões à Lua, já que no nosso satélite natural há ainda menos condições favoráveis à vida. E, na verdade, a Lua já tinha DNA humano em sua superfície: as missões Apollo deixaram rastros de DNA por lá, incluindo quase 100 sacos contendo fezes de astronautas.

Contudo, astrobiólogos não estão tão tranquilos quanto Spivack neste sentido, e Caleb A. Scharf, diretor de astrobiologia da Universidade de Columbia, é um deles. “Para um campo como a astrobiologia, procurando vida além da Terra, um dos maiores desafios do nosso Sistema Solar é evitar a criação de falsos positivos, permitindo que biomarcadores terrestres ou organismos reais entrem em ambientes alienígenas, seja a Lua, Marte ou qualquer outro lugar”, ele diz. Ainda, “há também um consenso sensato de que não queremos atrapalhar ecossistemas alienígenas, especialmente se eles forem delicados e vulneráveis ​​à vida invasiva”.

Scharf admite que nossos esforços para esterilizar naves espaciais ainda são imperfeitos, e não é novidade alguma que humanos são um problema potencial de contaminação cruzada no espaço. Por outro lado, a própria natureza tem sido responsável por contaminar mundos nos últimos 4 bilhões de anos por meio de impactos de objetos como cometas e asteroides, que levam variedade de materiais para todos os cantos do universo — então, quem garante que não existam tardígrados, ou seres equivalentes a eles, depositados em outros lugares além da Terra?

Bom, se isso acontece mesmo, não sabemos. O que sabemos de fato é que, agora, há tardígrados na Lua, em princípio selados em seu recipiente, aguardando serem resgatados para só então descobrirmos se eles sobreviveram, ou não. Mas “isso significa que é uma boa ideia ser incauto sobre o lançamento da biologia terrestre em lugares como a Lua?” — e a resposta, para Scharf, é “não”: “Devemos andar com muito cuidado. Mas, como todas as coisas, tem que haver um equilíbrio entre grandes ideias, exploração, ciência e um senso de ética cósmica”, conclui.

Fonte: Canal Tech

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