O Cinema Brasileiro e o poder da nossa música

Quando o assunto são as grandes atuações da década passada, não há quem discuta a presença de Marion Cotillard ou Jamie Foxx em qualquer boa lista sobre o assunto que se preze. Ambos se transformaram de maneira espantosa para encarnarem Edith Piaf e Ray Charles em suas respectivas cinebiografias. Esse tipo de filme, já bem estabelecido lá fora, virou uma chance de ouro para atores e atrizes mostrarem todo o seu talento e se arriscarem para as premiações. Quase sempre, o resultado é satisfatório, como foi o caso de Cotillard e Foxx, além de outros belos exemplos como Joaquin Phoenix (em Johnny e June), Gary Oldman (Sid & Nancy) e até mesmo Val Kilmer (The Doors, provavelmente a única grande atuação da sua carreira).

Já no nosso cinema, esse gênero passou a ser explorado só nos últimos anos, na era do Pós-Retomada (iniciada em 2003). Algo justificável, levando em conta que boa parte dos grandes artistas da nossa música estavam no seu auge entre a época do Cinema Novo (década de 60) e da Retomada (1995). Apesar de nem sempre alcançarem as expectativas ou serem retratos dignos dos artistas em questão, as cinebiografias musicais do Brasil sempre chamam a atenção do público.

É o caso de 2 Filhos de Francisco (2005), que conta a história da dupla Zezé di Camargo e Luciano e até 2009 (quando Se Eu Fosse Você 2 alcançou a marca de mais de 6 milhões de espectadores), era a maior bilheteria da retomada. Dirigida por Breno Silveira, a cinebiografia surpreendeu público e crítica por ir contra o que se esperava de um filme que foi vendido como mais uma produção genérica relacionada a algum artista na ativa (como os inúmeros filmes de certa rainha global que hoje está na Record). 2 Filhos de Francisco tem uma direção competente, um roteiro bem trabalhado e excelentes atuações de Ângelo Antônio, Dira Paes e dos jovens Dablio Moreira e Marcos Henrique.

Mais do que qualquer outra coisa, o filme chama atenção por cumprir com maestria a missão de toda cinebiografia musical: funcionar para todo mundo, independente do estilo. Este que vos escreve não tem nenhum apreço por música sertaneja e acha 2 Filhos de Francisco admirável. Do outro lado da moeda, num estilo em que me familiarizo mais (o rock), a coisa já não deu muito certo, provando que para esse tipo de filme agradar, nem sempre adianta gostar do estilo do artista.

Cazuza – O Tempo Não Para (2004), é um bom filme no geral, mas parece muito melhor do que realmente é graças a entrega completa de Daniel de Oliveira no papel principal, numa atuação quase mediúnica. No entanto, o grande pecado da produção é que o ator parece ser o único empenhado em se aprofundar no protagonista, o que acaba não sendo o suficiente (apesar de chegar perto). Graças ao roteiro, Cazuza ganhou um retrato que é tão interessante quanto superficial.

Muitos anos depois dos sucessos de Cazuza e 2 Filhos de Francisco, um monstro da musica nacional finalmente ganhou seu filme também. Em 2014, Tim Maia chegou as telas do cinema, mas infelizmente não conseguiu fazer tanto sucesso na tela grande (era uma missão ingrata, já que ele competia com filmes como Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1). O filme só ganhou destaque quando foi exibido na televisão, em duas partes lamentavelmente retalhadas e alteradas, que apesar de mudarem o contexto da história (e eu nem vou começar a falar sobre o que eu acho disso), ajudou a trazer o longa para os holofotes, porque depois da exibição na TV, todo mundo foi atrás do filme de verdade.

Tim Maia é um outro caso famoso nas cinebiografias. É aquele filme que chega a público, mas deixa muita gente retratada nele bem insatisfeita. A produção adapta a excelente biografia escrita por Nelson Motta, Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia e numa narrativa corrida, não-linear e as vezes um pouco confusa (uma inspiração um pouco frustrada em uma fórmula de cinebiografias hollywoodianas), conta a trajetória do músico desde a infância até os seus últimos dias. Mais uma vez, são os atores principais que fazem a diferença, em especial Babu Santana, que chega a espantar como o Tim Maia adulto, tamanha é a competência da atuação.

O que deixou muita gente surpresa é a forma que grandes nomes como Roberto Carlos (que foi amigo de Tim Maia quando ambos tentavam deslanchar a carreira), surgem em tela. Numa das cenas mais marcantes do filme, o “Rei” chega a jogar dinheiro no chão para o amigo pegar. Roberto Carlos obviamente não ficou nada feliz com o filme, o filho de Tim Maia acusou a obra de tendenciosa e alguns amigos do artista criticaram certas características do protagonista mostradas no filme (como o porte de armas).

No fim das contas, Tim Maia acabou se tornando um daqueles filmes que ficaram conhecidos mais pela polêmica (no caso, a questão “Roberto Carlos”) do que por qualquer outra coisa. Mas apesar de não ser uma obra-prima nem nada do tipo, ainda vale a pena ser visto, principalmente pela trilha sonora. Afinal, esse ícone do soul brasileiro é um daqueles artistas que só não gosta quem não conhece.

Há algumas cinebiografias promissoras vindo por aí, de outras lendas como Elis Regina e Pixinguinha, além de Não Aprendi a Dizer Adeus, contando a trajetória da dupla Leandro e Leonardo. Nenhuma delas tem data de estreia ainda, mas o interesse na história de nomes marcantes para a nossa música sempre vai existir, assim como o imenso valor do nosso cinema para contar essas histórias.

Fonte: Retalho Club

 

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