Como tudo começou: a história da internet no Brasil [vídeo]

Educação é a chave

O começo da internet no Brasil tem um ponto em comum com o da internet geral: educação. Em outubro de 1988, o Laboratório Nacional de Computação Científica, LNCC, no Rio de Janeiro se conecta com a Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. No mesmo ano, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, ou Fapesp, faz uma conexão via Bitnet com um laboratório norte-americano.

As únicas ações eram trocar emails e compartilhar arquivos. A conexão era individual por linha telefônica e ponto a ponto, sem precisar de discagem.

“As universidades pagavam tarifas pelo uso dos circuitos pra Embratel, a Empresa Brasileira de Telecomunicações, que na época era estatal e parte da Telebras.”

A Embratel já fazia experimentos desde 76 com transmissão digital de dados, além de criar uma rede interna de serviços chamada Ciranda e uma pública, o Cirandão, com bases de dados públicas pra consulta. Projetos de redes acadêmicas também começaram a surgir nos anos 70, como a Rede Sul de Teleprocessamento, ou RST, no Rio Grande do Sul, mas a grande maioria ficou só no papel. A PUC do Rio também foi pioneira nessas propostas.

Outro nome importante é o do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, Ibase. Ele abriu em 88 a Alternex, primeira rede privada e independente das universidades pra acessar a internet. Dá pra considerar de forma bem geral que esse foi o primeiro provedor brasileiro.

Começo tímido
Em 1989, é criada a RNP, Rede Nacional de Pesquisa. Com apoio do conselho de pesquisa científica CNPq e do governo, o órgão criou a primeira infraestrutura de conexão com alcance nacional. Em abril desse ano, nasce o domínio .br, pra sites e contas de brasileiros. Faltavam os registros e as pessoas com acesso, mas já era alguma coisa.

Já em 1990, o Brasil entra na NSFNET com esse domínio junto de outros países. Essa sigla era a rede científica dos Estados Unidos e parte do que restou da parte não militar da ARPANET, e foi nada menos que um dos grandes backbones iniciais do que chamamos de internet.


O ainda limitado backbone da RNP em 1992.

No ano seguinte, são criados mais domínios, como org, gov, .com.br e .net.br. Mas o grande feito do ano foi a primeira conexão do Brasil com a internet, em janeiro na Fapesp. Os pacotes trocados com rede mundial já usavam o protocolo padrão TCP/IP.

Em 92, ONGs ganham acesso à internet e a RNP abre o primeiro backbone do país. Essa espinha dorsal ligava 11 estados entre si nas capitais com backbones regionais menores pra integrar outras cidades. Surgiram a ANSP, ou Academic Network at São Paulo, e a Rede Rio.

A revolução da Rio-92
A Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, chamada de Eco92 ou Rio92, foi o primeiro evento com internet no Brasil. A ONU doou máquinas pra ajudar na estrutura, RNP e Alternex uniram esforços pra garantir a rede e a correria deu certo. O ano ainda marca o fim da lei de reserva de mercado, que já abordamos em outros vídeos, e aí equipamentos importados chegaram aos montes. A partir daí, o Brasil mostrou ao mundo que estava pronto.

A Rio-92, essencial para o início da internet no Brasil.

Vale lembrar que as BBS já eram mania no país desde a década anterior. A sigla pra bullet board system é um sistema que conecta pessoas via telefone pra interagirem em fóruns, troca de arquivos, chat ou até jogos. Uma das mais famosas foi a Canal Vip, criada em 1986. Em 93, o Canalvip foi o primeiro sistema do Brasil a oferecer uma conta de email gratuita.


Cena de matéria de TV da época mostrando as redes BBS.

Em 94, o backbone da RNP ainda era o dominante, mas empresas preferiam redes privadas via satélite. No começo da rede, a velocidade da conexão era de 4800 bps, quase 12 vezes menos que as conexões discadas de anos mais tarde. E o governo em si não tava muito envolvido com isso, só a partir da ação independente de universidades e de órgãos mais específicos.

O nascimento da internet comercial
Aí vem a revolução. Em 20 de dezembro de 1994, a Embratel lança o serviço experimental de internet comercial no Brasil. Só cinco mil usuários foram escolhidos pra esses testes. Em maio de 95, ele começaria a operar de forma definitiva.

Olha o que tava acontecendo. A Embratel, estatal que detinha a infraestrutura de conexão, seria a única forma do consumidor comum acessar a internet no Brasil. Claro que isso era um absurdo. Nesse ensaio de monopólio, 500 usuários previamente cadastrados eram escolhidos por semana pra ganhar acesso, e tem relatos até de comércio de senhas por fora nessa época.


Mas isso durou pouco. No começo de 95, a Embratel perde a exclusividade de distribuição e empresas privadas começam a explorar o serviço, graças a um decreto do ministro das Comunicações, Sergio Motta. Mas a empresa não sai só perdendo: ela ainda daria o acesso da rede aos provedores, e aí eles forneciam ao usuário. A RNP lidou com tráfego comercial até 98, e depois voltou a atuar nos bastidores pra promover o avanço da rede.

Explodindo no país
Aí os internautas brasileiros puderam surfar a vontade nessa rede mundial dos computadores, com o World Wide Web já virando padrão de navegação. A novidade virou capa de revista e até assunto de novela, tipo em Explode Coração, aquela do Cigano Igor.

É nesse período também que computadores aparecem com mais frequência nas casas, ainda de forma bem tímida. Eles eram caros, mas algumas marcas começaram a lançar modelos mais acessíveis, e o povo também fazia alguns sacrifícios. Marcas como CCE, Gradiente e Positivo, que já tiveram a história contada aqui, eram alternativas nacionais.

A partir daí, é novidade atrás de novidade. Em 95 surge o canalvip.com.br, primeiro domínio comercial registrado no Brasil. Sites de notícias, bancos, empresas e bandas foram os primeiros nessa corrida. No final desse ano, já eram 20 provedores privados e 120 mil pessoas conectadas. Nasceu ainda a primeira rede de IRC do país, a Brasirc, e o buscador Cadê.

O ano marca a criação do Comitê Gestor da Internet, ou CGI. O órgão tem representantes da academia, de empresas e usuários, e debate temas e diretrizes da internet no país.

Gigantes que existem até hoje
Em janeiro de 1996, já são 851 domínios no Brasil, incluindo o Jornal do Brasil Online, primeiro jornal online brasileiro, o portal ZAZ que seria o Terra e o UOL. O cantor Gilberto Gil até estreou transmissões de música no país com o lançamento pela internet da música chamada… “Pela Internet”. O Brasil nesse ano ainda teve uma exposição chamada Internet World pra empresas, provedores e empresários mostrarem ou conhecerem a internet.

Em 97 o TSE divulga em tempo real o resultado das eleições, e o Imposto de Renda pode começar a ser declarado online. Surge ainda o cliente de email Zipmail. Em 98, somos 2,1 milhões de usuários e a Telebrás inteira é privatizada, incluindo a Embratel.

Em 99, surge o Mercado Livre pra classificados, o eterno bate-papo UOL e a AOL chega ao Brasil com distribuição em massa daqueles CDs de provedor. Aliás, aqui vale explicar o que são essas siglas. UOL é Universo Online, AOL é América Online e o saudoso BOL é Brasil Online. Tinha ainda o SOL, que era a sigla de uma sigla: SBT Online.

No meu tempo era melhor?
Quem viveu esse período da discada tem boas lembranças de coisas não tão boas. A conta telefônica estourava, não podia tirar o telefone do gancho, tinha que esperar horários estratégicos pra pagar menos, tipo depois da meia-noite ou domingo, demorava eras pra tudo… isso sem contar aquele barulhinho clássico do modem estabelecendo conexão.

E olha que curioso. Em 96, com 25 reais você tinha só dez horas de conexão, segundo a Folha de São Paulo. Por volta de 2000, aqueles discadores gratuitos bombavam. Tinha Ibest, Pop e por aí vai. Em janeiro de 2000, entra no ar o portal iG ainda sem o famoso cachorrinho. Fora o discador, ele foi pioneiro com notícias em tempo real no Último Segundo.

Mais estreias
E em 1º de outubro de 2000, entra no ar um certo site de downloads de jogos e programas chamado Baixaki. Eu sei que vocês querem saber a história do Baixaki e do TecMundo, a gente lê os comentários. Vai ter, mas outra hora, porque já tem muita coisa na fila.

As conexões de banda larga, com alta velocidade sem ocupar a linha telefônica, começaram a ser testadas antes disso. A operadora TV Filme, de Brasília, oferecia 2,4 Mbps de velocidade ainda em 97, contra 56 kbps das discadas. Já a tecnologia ADSL, ou Linha digital assimétrica por assinatura, era a mais difundida entre suas variantes e veio só em 2000. Você não pagava por tempo de acesso, mas sim uma mensalidade. Conexões via cabo e rádio vieram a seguir.

Em 2001, estoura a bolha da internet, uma história que a gente já contou por aqui. Vários empresários se deram mal, mas vários sites surgiram também. Rapidamente, o brasileiro também virou fanático por redes sociais e o Orkut, de 2004, foi uma verdadeira febre.

O país tinha o maior número de inscritos no serviço e só foi ultrapassado pelo Facebook em 2011. O fechamento das portas pra postagens aconteceu em 2014, pra tristeza da nação.

Onde estamos hoje?
Em conexões móveis, a operadora Vivo estreou o 3G no Brasil em 2004 com velocidades de até 2 Mbps, restrito a poucas cidades. O leilão das faixas de frequência só veio três anos depois. Uma das novidades mais recentes da internet no Brasil é o Marco Civil da Internet, um conjunto de regulamentações e direitos aprovado em 2014.

Entre os conteúdos está o de neutralidade da rede, que garante que o acesso seja oferecido de forma integral ao consumidor, sem limitação de banda de acordo com o conteúdo acessado. A evolução é bastante notável.

“Em 2005, segundo o Ibope, só 11 milhões e 30 mil de pessoas tinham internet em casa e o tempo de navegação mensal era de 15 horas e 14 minutos, que é o tempo que muita gente passa diariamente hoje.”

Já em 2016, segundo o IBGE, foram registradas 116 milhões de pessoas conectadas de alguma forma, sendo o celular o principal aparelho. Isso é 64% da população brasileira, ou seja, ainda tem muita gente de fora por desinteresse ou falta de acesso e estrutura. Aliás, em 2016 foi histórico porque as compras online superaram as de lojas físicas por aqui.

Só feras
E a gente precisa falar aqui de algumas das personalidades que tornaram tudo isso possível. Demi Getschko foi o responsável pela primeira conexão no Brasil na Fapesp, e entrou há alguns anos pro Hall da Fama da Internet. Carlos Afonso é outro pai da criança, no comando do Alternex no fim dos anos 80. Aleksandar Mandic foi um dos primeiros executivos daqui a explorar a área e foi sócio fundador do Ig.

Paulo Cesar Breim, o PCB, tinha a famosa BBS Canal Vip que depois virou o primeiro domínio .com.br. E Jack London foi o criador do primeiro e-commerce do país, o Booknet, que virou o Submarino. Tem muita gente que ficou de fora, mas que merece nosso agradecimento por levar a internet brasileira ao que ela é hoje.

Essa é a história da internet no Brasil: um caminho difícil e cheio de problemas, mas que acabou dando certo. E, sem tudo isso, não esqueça que você nem estaria aqui assistindo a esse vídeo.

Fonte: TecMundo

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