Amora Mautner, diretora de A Dona do Pedaço, revela inspiração em This is Us

Conhecido por usar muitas séries como referência, nova produção de Walcyr Carrasco busca o melodrama como norteador conceitual

Ao falar sobre a nova novela das 21h da Rede Globo, a diretora artística de A Dona do Pedaço é certeira: liga seu trabalho a uma fonte que se correlaciona perfeitamente com os folhetins brasileiros, o melodrama. Amora Mautner – que esteve pela última vez na direção de uma novela do horário em A Regra Do Jogo – entende o valor de uma história seriada bem contada e visualizada; ela está no ar com Assédio, uma produção milimétricamente calculada para fazer a obscuridade de um ato hediondo como o estupro, vazar atmosfericamente em cada cena. Mesmo em A Regra Do Jogo, o trabalho da diretora era pautado em transgressões no gênero novelístico, provocando um resultado que pode não ser alcançado audiências gigantescas, mas que agradaram muito ao público que curte séries de TV.

Walcyr Carrasco não fica atrás em sua jornada para referenciar produtos seriados em suas criações. Amor à Vida e O Outro lado do Paraísopescavam um ou outro elemento que podia correlacionar suas obras com séries que iam de Grey’s Anatomy a Game Of Thrones, por mais incrível que isso pareça. As novelas são, por essência, narrativas que privilegiam história de amor, que vão a extremos e que ganham, inevitavelmente, os rótulos mais popularescos, afim de prover elogios e críticas na mesma medida. Conhecido também por simplificar suas estruturas textuais, Carrasco fez seu nome em cima do que existe de mais objetivo numa dramaturgia. A parceria com Mautner, então, vem muito a calhar, já que é através do olhar inquieto da diretora que a novela vai buscar uma fuga do lugar comum.

“Mergulhei fundo no melodrama”, diz a diretora em uma entrevista concedida ao Omelete antes do lançamento da novela. Douglas Sirk, cineasta clássico de um cinema que não tinha vergonha de ser puro romantismo, era o “Príncipe do Melodrama” e também é agora o “melhor amigo” da diretora nessa nova empreitada. A sinopse de A Dona do Pedaço dá conta de uma história de amor proibido entre Maria da Paz (Juliana Paes) e Amadeu (Marcos Palmeira), que são de famílias rivais. O “Romeu e Julieta” invocado fica pelo caminho ainda na primeira fase, quando Amadeu leva um tiro e Maria pensa que ele está morto. Fugida da própria terra, a protagonista chega em São Paulo e começa a vender bolos na rua, para sobreviver. Por trás da superação, o passado vai se interconectando numa rede de coincidências típicas das novelas. Mídia e diversidade sexual ainda são pontos importantes da nova produção.

Bolo de Pote

“Se Walcyr estivesse escrevendo nos EUA ele estaria escrevendo This is Us”, diz Mautner quando questionada sobre suas principais referências seriadas. O exemplo também é estratégico. Carregada de uma polidez textual e visual, This Is Us é uma “novela gourmetizada”, que privilegia os mesmos códigos melodramáticos do cinema vintage de Douglas Sirk: relações afetivas, obstáculos para o amor ou simplesmente o enfoque absoluto nele. O exagero de This is Us não está na forma e sim na opressiva capacidade de perseguir a comoção, que pode ser alcançada de maneira elegante por lá, mas que é parte do mesmíssimo objetivo por aqui. A diretora não tapa o sol com a peneira: “Vamos fazer o gênero: se tiver que fazer diálogo, vamos fazer diálogo, se tiver que fazer novela vamos fazer novela”. Essas são todas referências que buscam camadas que em alguns casos são imperceptíveis, mas essenciais para o dever artístico.“Assisti muito Hithcock”, diz ela; “mas não porque a novela tem suspense e sim porque queria uma decupagem em que a câmera se mexe, mas sem aparecer muito”.

A Dona do Pedaço usa códigos folhetinescos clássicos, que em sua sinopse evidenciam uma honestidade diante dos próprios objetivos. Uma história de amor impossível, uma história de superação, reencontros esperados, intrigas e armações. É como toda novela que se preza precisa ser. Porém, são os detalhes na hora de construir essa atmosfera – um pouco de Douglas Sirk aqui, um pouco de Hitchcock ali, uma pitada de Dan Fogelman acolá – que podem fazer a diferença no processo de catarse do espectador. Afinal de contas, o que é This is Us senão uma história fraternal simples, claramente afetada pelo amor e pela tristeza, que apenas usa o detalhe como apelo emocional devastador.

Fonte: Omelete

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